terça-feira, 9 de outubro de 2007

A comunicação digital e os desequilíbrios e esperanças em torno da definição de uma Sociedade da Informação: experiência latino-americana.

Texto de Juciano de Souza Lacerda


O texto do pesquisador e professor Juciano Lacerda faz um balanço entre as visões mercadológica e social da comunicação digital e da convergência midiatica, através da analise das contribuições para a área digital empreendidas por órgãos latino-americanos. São feitos ainda questionamentos acerca dos desequilíbrios e tensões da relação entre usos econômicos e culturais das tecnologias da informação.

As redes de solidariedade social, cuja prática sociocultural já interagiam em rede, iniciaram o movimento em torno da comunicação digital. Esta trouxe maior capacidade (técnica, material e informacional) de interação entre os usuários, alterando assim os contatos interpessoais que enfrentam barreiras no tempo e no espaço. O que antes era apenas possível com o fax, o telefone e a carta, recebe agora o apoio da digitalização.

Este processo de digitalização dos meios de comunicação tornou mais fácil a formação de grandes conglomerados midiáticos. Só a chegada da Internet consegue descentralizar um pouco este monopólio de veiculação de noticias e informação através da possibilidade de todos para produzir e publicar notas, matérias e vídeos (como é o caso do You Tube e dos blogs). O usuário da rede pode opinar sobre um fato, participar de fóruns promovidos por empresas, sites noticiosos e de relacionamento. A esta participação de pessoas e entidades com os mais diversos interesses na rede, o autor Denis de Moraes denomina de “cibermilitancia”. Ele conseguiu catalogar vários organismos de áreas diferentes que atuam na Internet. Na primeira metade dos anos 90, as ONGs sentiram esta necessidade de se organizarem em rede: precisavam consolidar parcerias dos mais diversos lugares do mundo, reduzir os efeitos da neo-liberalismo, são fatores que contribuíram para isto.

Este modelo econômico trouxe um novo modo de se denominar em viver, é a Sociedade da Informação, na qual os indivíduos têm de consumir em larga quantidade, todos os produtos da Industria Cultural para se sentirem incluídos nesta sociedade. Tudo se tornou globalizado, as tecnologias se espalharam, ainda que em períodos diferentes, para todo o mundo e os valores foram invertidos. Nicolas Negroponte defende uma industria caseira da informação e do entretenimento, apesar de considerar o desequilíbrio existente no acesso à digitalização. Ainda sobre esta divisão digital, Manuel Castells aponta a falta de educação (aprender a aprender), renda desigual de cada usuário (dos paises ricos e pobres), o nível cultural e o contato com a tecnologia que cada sociedade possui.

Outra critica que se faz a esta Sociedade da Informação diz respeito à concentração da informação e das ferramentas pelos paises ricos. Paises como o Japão e os USA entraram numa corrida para garantir e renovar suas lideranças na área da digitalização. Estas iniciativas renderam, um tempo depois, na reunião do G7 (Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Itália, Grã-Bretanha e Japão). O grupo firmou um acordo para desenvolvimento da Global Information Society cujos objetivos seriam “promover a competição, o investimento privado, regulação e livre acessão às redes”. Ou seja, funcionaria como uma política publica de democratização da informação. O site www.bocc.ubi.pt tem informações detalhadas sobre a reunião do G7. Outra tensão surge a redor da GSI: teóricos afirmam que a burocracia e o alto custo pára por em pratica as decisões da reunião mantém muitos paises afastados do processo de inclusão digital.

Outro interessante dado apontado por Juciano Lacerda em seu texto é a concentração dos servidores de informações nas mãos dos norte-americanos. Eles detêm o monopólio sobre gestão da Internet, comercio eletrônico e propriedade intelectual. Os maiores sites de música e enciclopédias são providos nos USA. O desenvolvimento das Tecnologias da Informação ficaria nas mãos dos próprios países, ou em acordos bilaterais firmados com grandes empresas de informática.


Defendendo a vitória de movimentos sociais sobre os limites culturais, educacionais e financeiros, o autor deste texto acredita que a sociedade tem se mobilizado para vencer as barreiras da digitalização e se apropriar dela. Outra importante questão surge daí: Como a concessão de ferramentas de alta tecnologia para as pessoas e ensinar-lhes a usá-las pode transformar suas realidades? Respostas a estas perguntas são dadas a partir da iniciativa de organizações comunitárias e parcerias entre paises por uma comunicação livre, tais como a CRIS, a ALAI, AMARC, os Telecentros do Peru e a CNR.

1. A campanha CRIS (na sigla em português, Direitos da Comunicação na Sociedade da Informação), surgiu da frustração da sociedade civil com os poucos resultados de reunião para democratização da informação tais como a do G7. ONGs de diversos paises que já compunham a Plataforma pelo Direito à Comunicação e outros agentes sociais reconheceram um documento intitulado “Construir sociedades da informação que atendam às necessidades humanas”. A declaração da CRIS pode ser encontrada na integra no site http://alainet.org/active/show_news.phtml?news_id=5145 .A partir deste documento, procuraram ampliar o acesso dos povos à cultura digital, à educação, assistência constante, capacitação para uso das tecnologias, facilitação da posse, do controle e da distribuição da informação entre as mídias alternativas. Apesar de parecerem utópicas, as metas da campanha mostram-nos que é possível pensar uma outra comunicação alem de propor novas praticas comunicacionais na América-latina.

Victor Oyen e Antonio Pasquali em pesquisa da Associação Latino-Americana de Educação Radiofônica lembram que a America-Latina tem enfrentado dificuldades históricas para consolidar os movimentos de mídias alternativas, vistas ainda como marginais e perturbadoras da política de comunicações privada. Poucas iniciativas conseguem mais liberdade para agir na comunidade: são a Agencia Latino-americana de Informação e aos Telecentros do Peru.

Os Telecentro ou “cabinas públicas” ficam nas periferias das cidades e garantem baixo custo de acesso e oferecem também serviços de digitalização de imagens e impressões. Apesar de ter interesse comercial, pois o acesso é pago, cerca de 0,80 centavos de dólar a hora, a Rede Cientifica Peruana encarregou-se da capacitação das populações que passaram a usufruir a Internet. No Brasil, e experiências bem sucedidas como esta são mais difíceis de se ver e “a cultura da universalização da informática esta atrasada no aspecto da cidadania”. Há um grande incentivo ao acesso individual, vista não só na Internet como na política da ANATEL de acesso discado domiciliar, que atende na verdade os interesses de provedores como UOL, BOL e Terra. É o privilegio daqueles que possuem telefones, computadores e dinheiro para pagar ao acesso por pulsos.
*Jorge Bossio tem um estudo sobre as cabinas do Peru, no site http://www.yachay.com.pe/cabinasperu\2.htm

2. A experiência da CNR

A Coordenadoria Nacional de Rádios e uma outra experiência bem sucedida no Peru. Trata-se de um laboratório de congruência de novas e velhas tecnologias, e que leva em consideração as diferenças culturais locais das cidades. Nasceu em 1978, no Sul do país, mas já conta com parcerias importantes de universidades, centro de mídia comunitária, associações latino-americanas e agencias de noticias. O trabalho de mestiçagem realizado pelo projeto, que congrega tecnologias em função de um jornalismo investigativo, já foi muito importante para a formação da opinião publica do país em momentos de crise política (ver no site o caso Fujimori).

O exemplo de uso e apropriação das tecnologias da informação em prol da cidadania mostra-nos novamente que é preciso articular e promover o dialogo das tecnologias e da sociedade civil.

Porém, a discussão sobre Sociedade da Informação dirige-se também ao rádio, a TV aberta e digital, ao cinema. Hoje, as novas redes de solidariedade, principalmente na América-latina devem ampliar a participação popular nas redes digitais, para construir uma identidade mestiça e coletiva que se realize um “projeto de comunicação que não se deslumbre com a comunicação digital , mas que a potencialize e enriqueça com novos usos”.


















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